No inicio, consigo ouvir a sua voz. É
melodiosa, como a de um pequeno rouxinol cantando ao amanhecer, com um toque de
esperança, mas não é humana… é tão bela que sinto as árvores dançarem ao seu
som. Sinto-as a sorrir para mim. Sinto-as partilharem comigo a sua alegria, o
seu afecto. Sinto-me meio zonza, com muitas tonturas. Tonturas de felicidade.
De seguida, liberto a minha mente. Liberto-a de todos os meus receios, de toda
a minha ansiedade. Apenas quero ver o portador da voz, quero ver como ele é.
Estou curiosa, deslumbrada, enfeitiçada… enfeitiçada por aquela voz masculina,
que me chama. Ouço-a aproximar-se cada vez mais… o meu coração está a palpitar
tão depressa, que quase que não consigo respirar. Sustenho a respiração por uns
instantes, mas parece não valer de nada…
Estou perto de um lago. Sinto o romper da
primavera. Cheiro o odor da relva molhada, da neve a derreter, do começo. Até
que, diante do luar sepulcral, vejo um rapaz. Estou enraizada ao chão, o meu
corpo não me obedece. Abro um pouco a boca, mas não me ocorre nada para dizer,
pois nenhum adjectivo é indicado para descrever o que vejo… á minha frente, a
poucos metros de distância de mim, está um rapaz com um tom de pele claro, como
se apanhasse as estrelas e as colocasse no seu corpo branco, brilhante, magro,
sedutor… tem um tom de cabelo muito… talvez curioso seja a palavra certa: é de
um tom loiro escuro, com algumas madeixas ruivas. E os olhos… bem, os olhos são
tão verdes que conseguem focar o olhar de todos. Tão deslumbrantes que qualquer
rapariga, mesmo a mais bela, ficaria encantada, enfeitiçada, como me sinto agora…
veste-se com uma cor tão branca, que me encandeia os olhos.
Ele pára. Ele move-se novamente ao meu
encontro, e só nesse momento consigo ver as suas asas. São esbranquiçadas, um
pouco pérola. Não tão brancas quanto as roupas. Feitas de suaves e leves penas
que nada se parecem com as de uma ave. São mais brilhantes. Mais espantosas.
Mais únicas…
O seu corpo está mais perto do meu. Eu,
ouvindo o coração, vou mais para junto dele. E aí, olha-me com os seus grandes
e mágicos olhos verdes. De repente, sinto um arrepio. Não de frio, mas de dor,
angústia, perda. Sinto-me sozinha, vazia. Recuo o meu olhar para o chão.
- Calma. Está tudo bem. Estou aqui… -
diz-me ele, sorrindo, e com a sua voz pura, tranquila, harmonizada.
Toca na minha face. Tocamo-nos pela
primeira vez. Aí, sinto uma alegria intensa, e uma lágrima escorre-me pela
cara. Começo a sentir uma certa ansiedade… ansiedade de o ter… desejo de o
beijar… estou perdida nos meus pensamentos, até que os seus lábios ficam
bastante perto dos meus. Quando me apercebo, o meu coração evade-se de uma
estranha e curiosa emoção, uma que nunca antes sentira. De uma emoção bastante
forte, de um sentimento bastante perturbador… sinto-me como se não existisse o amanhã.
Preocupo-me apenas com o hoje, o agora, o momento, pois, de certa forma, iria
beijar um ser sobrenatural. O rapaz mais perfeito que alguma vez conhecera.
Um anjo…
De repente, acordo.
Não é a primeira vez que sonho com ele.
Desde á duas semanas para cá que o sonho por volta de dois em dois dias. Sempre
o mesmo sonho. Sempre o mesmo rapaz. Sempre a mesma esperança, a mesma emoção,
que depois nunca acaba por se concretizar por completo…
Estou curiosa. Tenho tantas perguntas a
rodearem-me. Tantas perguntas sem uma única resposta. Tantas perguntas que se
aglomeram apenas numa só: será que algum
dia o conseguirei beijar?
Lia.
Lia.
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