quarta-feira, 24 de abril de 2013

O seu reflexo



Cega é a justiça que julga sem saber.
Eternos são os olhos de mel e ouro fundido.
Maldosa é a fénix que nasce sem perecer,
esquecendo mais o que já estava esquecido.

O que é senão mais a fundamentação do amor?
Amor é grito e sangue derramado
pelos que amam e vêm a mais pura dor
de chama que queima, coração derrotado.

Eles pensam que tudo tenho, tudo posso ter,
mas continuo cativa de quem me ressuscitou.
Gritos de alegria? Como pode ser
ele mais bonito do que alguém que me amou?

Castanho viçoso, formosura singular,
um pouco vaidoso mas muito mais para dar.
Loucura inexplicável, curiosa a emoção
quando escreve ou diz o que lhe vai no coração.

Consome-me com a luz, guia com a escuridão:
Com ele perto de mim não consigo ser o que sou.
É voz de filosofia, poeta de paixão,
Sedento de loucura que também em mim entrou.

O amor de arte, desgrenhado e sem perdão, esquecido,
Volta ao pequeno campo, doce de imaginação, calma.
Encontrei na mais sombria estrela um amigo
esquisito, mas que preenche o corpo e a vida e a alma.

Lia.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

A carta que nunca te darei



Lembras-te das histórias maravilhosas que me contavas quando ainda nem sabia o que a doença te pode fazer? Falavas-me daquele mundo mágico que só tu conheces, onde passaste a tua maravilhosa infância inafundável na terra dos teus sonhos, juntamente com as papoilas que esvoaçavam com teus vestidos e tranças ruivas... E tudo era belo, belo como o teu sorriso, calmo como os teus olhos de um azul imperdível. Um mundo mágico onde desenhavas e desenhavas e voltavas a desenhar os jarros de plantas silvestres e os animais amistosos da tua quinta pequenina. Oh... como nunca esqueceste o teu Alentejo, o interior de um sol quente e florido... as asas da tua infância, dos teus sonhos, da tua vida de trabalho e esperança!
És velhinha, pequenina e tens as mãos deformadas. O teu rosto está enrugado e a tua memória já não é o que era... Estás doente e a mãe não para de falar sobre isso, sobre o dia em que te iremos perder para sempre! Sobre o dia em que me deixarás sozinha neste mundo, só por causa da maldita sombra que tens dentro de ti... Diz-me avó, o que é que a sombra tem que eu não tenho para a preferires ao invés de mim? Eu não percebo o porquê de algum dia teres de ir e não me poderes levar! ...
Bem... gostava imenso de te agradecer por tudo avó, és uma grande mulher, parecida com aquela plantinha frágil que encontraste viva, enterrada na neve mortal e intimidadora. Oh! Como a florzinha brilhava naquela imensidão... E era tudo tão belo nessa altura, não concordas avó?
Eu só escrevi para dizer que te amo e que invejo tanto a tua força de viver... depois dos Invernos cruéis que passaste e das canções tristes que escreveste para o mundo. Porém, tudo o que quero como herança é o teu sorriso desajeitado para toda a eternidade. Prometes-me isso avó? ... mesmo que seja num mundo teu onde os teus olhos preenchem o mar, e onde o céu dos teus cabelos arruivados esvoace ao vento como o sorriso que conquista todas as suas nuvens?

Lia.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Ilusão


 O planeta onde habito é bastante bonito... principalmente na época de framboesas em abundância que inundam a floresta com o seu cheiro doce e tranquilo, confundindo assim a claridade imunda de lua cheia com um toque avermelhado. Aqui, tudo funciona de uma forma diferente... Quanto mais novo és, mais anos carregas sobre ti. Os Verões são gélidos e chuvosos, as Primaveras cheiram a morte sob os campos silvestres, e no Inverno o nosso sol queima todo o hemisfério sul - as terras áridas e inabitáveis de cá.
Eu, porém, vivo numa ilha rodeada pelo oceano cinzentos e por correntes perigosas (Mares revoltos que já várias vezes engoliram os barcos carteiros que por cá costumam passar)... A minha ilha não tem cheiro a framboesa, mas sim o cheiro temível da Primavera. A minha ilha é a mais perigosa, e a mais horrenda de todas as outras, pois é a que está mais perto do sul.
Sinto-me mal aqui. Quero conhecer o mundo, as maravilhas de que tanto falam as tripulações. Estou cansada da mesma rotina, dos ensaios filosóficos sobre a minha existência, da minha alma que nunca pude conhecer verdadeiramente, do tédio ensolarado ao beber o chá da minha consciência. Imagino.me como a lua. Ela é a fonte do planeta, porém, tem de morrer todas as noites para o sol poder ressuscitar e matar tudo o que estiver ao seu alcance. Porque tenho eu que morar aqui, nesta ilha de lástima, miséria e tristeza se posso ir para o verdadeiro planeta das maravilhas, com todas as framboesas, geadas gloriosas e pessoas com coração? Eu não tenho coração, foi-me arrancado pelo sol! Queimado vivo, como se fosse algo mau e mesquinho! Eu não compreendo esta ilha... Eu não me compreendo a mim. Sou apenas um pouco de lua exilada, que não murmura pelo crepúsculo, pois perdeu toda a esperança de algum dia ser mais que isso. Por isso, gostaria de endoidecer... assim talvez o meu mundo fosse modelado de verdades feitas pela maior magia de todas - o sonho.
Há cá dentro um sonho que quer falar e não pode, preso e mudo pelo poder do pesadelo - grandes cavalos pretos, robustos mas moribundos, que nos conduzem para a morte.

Ouço um ruído estranho no armário, aberto pelo desejo insaciável do pequeno almoço... 
Espera! 
A chávena, ela move-se! 
Oh... Isto vai de mal a pior, acho que enlouqueci mesmo! 
Mas... há algo lá dentro, algo... que brilha bastante? 
Oh sim, o Universo! 
Tenho o universo dentro da chávena? 
Ok, definitivamente ando a sonhar demais. 
Mas parece tão real!
Toquei, senti... O sonho, tornou-se realidade... O sonho! 
Será um portal? E eu que pensava que o único Deus seria o sol infernal e miserável!
Toquei outra vez... e caí.

Onde estou? Que cheiro a framboesa é este? E este mar! Este mar é azul, o mar dos teus olhos. Já encontrei a minha alma...  estava no país do teu amor - E assim me desprendi das correntes perigosas, simplesmente porque um dia, curiosamente encontraste os restos do meu coração.

Lia.