segunda-feira, 8 de abril de 2013

A carta que nunca te darei



Lembras-te das histórias maravilhosas que me contavas quando ainda nem sabia o que a doença te pode fazer? Falavas-me daquele mundo mágico que só tu conheces, onde passaste a tua maravilhosa infância inafundável na terra dos teus sonhos, juntamente com as papoilas que esvoaçavam com teus vestidos e tranças ruivas... E tudo era belo, belo como o teu sorriso, calmo como os teus olhos de um azul imperdível. Um mundo mágico onde desenhavas e desenhavas e voltavas a desenhar os jarros de plantas silvestres e os animais amistosos da tua quinta pequenina. Oh... como nunca esqueceste o teu Alentejo, o interior de um sol quente e florido... as asas da tua infância, dos teus sonhos, da tua vida de trabalho e esperança!
És velhinha, pequenina e tens as mãos deformadas. O teu rosto está enrugado e a tua memória já não é o que era... Estás doente e a mãe não para de falar sobre isso, sobre o dia em que te iremos perder para sempre! Sobre o dia em que me deixarás sozinha neste mundo, só por causa da maldita sombra que tens dentro de ti... Diz-me avó, o que é que a sombra tem que eu não tenho para a preferires ao invés de mim? Eu não percebo o porquê de algum dia teres de ir e não me poderes levar! ...
Bem... gostava imenso de te agradecer por tudo avó, és uma grande mulher, parecida com aquela plantinha frágil que encontraste viva, enterrada na neve mortal e intimidadora. Oh! Como a florzinha brilhava naquela imensidão... E era tudo tão belo nessa altura, não concordas avó?
Eu só escrevi para dizer que te amo e que invejo tanto a tua força de viver... depois dos Invernos cruéis que passaste e das canções tristes que escreveste para o mundo. Porém, tudo o que quero como herança é o teu sorriso desajeitado para toda a eternidade. Prometes-me isso avó? ... mesmo que seja num mundo teu onde os teus olhos preenchem o mar, e onde o céu dos teus cabelos arruivados esvoace ao vento como o sorriso que conquista todas as suas nuvens?

Lia.

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